Alegria no Vale do Bekaa brasileiro

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As pessoas são felizes no Assentamento Vale do Bekaa, em Coroatá, município com cerca de 60 mil habitantes a 260 quilômetros a centro-oeste de São Luís. Amanhecer lá, é um encontro com a alegria e a esperança. As 47 famílias do assentamento, que flertam com o sucesso, estão trabalhando para transformar o lugar no primeiro pólo de produção de alimentos biofortificados da agricultura familiar no Brasil.

A expectativa dos agricultores com as cultivares de feijão-caupi, batata-doce e macaxeira, ricas em vitamina A, ferro e zinco, disponibilizadas pela Embrapa através de experimentos, é de uma revolução no sistema de produção no assentamento. “A chegada dessas cultivares está ajudando a mudar a vida da gente aqui”, diz Raimundo Cardoso Barros, 45 anos, presidente da Associação dos Produtores e Produtoras Rurais do Vale do Bekaa.

E ele mesmo tem motivo de sobra para acreditar nessa revolução produtiva no assentamento. Raimundo dá um exemplo: “Antes, as cultivares de batata-doce que eu plantava aqui levavam sete meses para produzir. Com essas cultivares da Embrapa, a produção acontece logo em noventa dias”. Outro exemplo é do feijão-caupi. O ciclo – do plantio à colheita – de outras cultivares era de 65 a 75 dias. Hoje, com a cultivar Aracê, ele colhe o feijão na vargem aos 40 dias.

Tanto a batata-doce como o feijão-caupi estão mexendo com as famílias do Vale do Bekaa brasileiro, que tem uma área de 1.070 hectares. A cultivar de batata-doce Beauregard, de poupa com cor alaranjada e rica em carotenóides pró-vitamina A, já foi multiplicada e distribuída entre os agricultores de 10 assentamentos do município, segundo a técnica agrícola Lilian Vieira, da Cooperativa de Serviços Técnicos – Coosert.

Os agricultores estão testando também 8 linhagens de batata-doce que foram avaliadas no primeiro experimento instalado em Coroatá. Já o feijão-caupi Aracê tem mostrado força no mercado consumidor da região. Raimundo Cardoso conseguiu vender, no final de 2010, apenas na feira livre de Coroatá, 300 quilos do Aracê. A cor verde-oliva do grão e o cozimento rápido chamaram a atenção dos consumidores. Agora, segundo ele, os agricultores dos demais assentamentos da região estão querendo plantar a cultivar.

A chegada da Embrapa e suas tecnologias ao Assentamento Vale do Bekaa acendeu a luz da esperança no lugar. E é simples entender o entusiasmo das famílias. Por força da legislação e do número cada vez maior de novos agricultores, eles precisam de variedades e culturas de alta produtividade. É que nas propriedades, seja assentamento ou não, os trabalhadores precisam obedecer a legislação florestal.

A legislação determina que 35 por cento de uma área têm que ser de reserva legal. Portanto, não pode desmatar. Além disso, existem as áreas de preservação ambiental. “Então, sobra muito pouco para se produzir com qualidade e quantidade suficientes para atender às necessidades dos pequenos agricultores”, diz Lilian Vieira. Mas ela acredita no esforço conjunto.

O Projeto BioFort, com o objetivo de reduzir ao máximo a fome oculta de milhares de brasileiros, principalmente do Nordeste, começou a dar os primeiros passos no Assentamento Vale do Bekaa em 2009, com os pesquisadores conhecendo a realidade dos agricultores. A primeira unidade demonstrativa foi instalada em junho de 2008, na comunidade Cinturão Verde, em São Luis, e no povoado Barreiros, no município de Arari, com batata-doce de polpa alaranjada e feijão-caupi.

Com os bons resultados, o projeto avançou este ano. Uma vitrine tecnológica, com a batata-doce Beauregard, a mandioca Jari e as cultivares de feijão-caupi BRS Xiquexique e BRS Tumucumaque está sendo instalada numa área de 600 metros quadrados. Nesta vitrine, no dia 12 de julho deste ano, será realizado uma visita técnica como parte da programação da IV Reunião de Biofortificação no Brasil, que acontecerá em Teresina.

A Embrapa desenvolve o Projeto BioFort no Maranhão em parceria com a Agência Estadual de Pesquisa e Extensão Rural do Estado, AGERP e a Cooperativa de Serviços Técnicos. As atividades são coordenadas pela agrônoma Adelana Santos, que é responsável pela área de Agroextrativista e Florestal da agência.

UM PARAISO NA CIDADE – A seis quilômetros do centro de Coroatá, na divisa das zonas urbana e rural, o Assentamento Vale do Bekaa tem alguma semelhança com o famoso Vale do Beqaa, a mais importante região agrícola no leste do Líbano. Aqui no Brasil, as famílias do Bekaa têm mesa farta, casa de alvenaria e coberta com telhas, água encanada, energia elétrica, motocicleta, televisão com antena parabólica e um largo sorriso.

A família mais abastada é a de Raimundo Cardoso, que tem quatro filhos. Raimundo, quem diria, pilota diariamente, quando precisa ir ao centro de Coroatá, um automóvel Ford Ka 2007, bem conservado, de cor preta. “Neste carro está o resultado de muito trabalho durante muito tempo”, diz ele apontando para o veículo, estacionado na garagem de Daniel Sousa, outro agricultor feliz.

O assentamento tem uma casa de farinha, escola de ensino fundamental e a sede da associação, onde acontece, no terceiro domingo de cada mês, um encontro. Lá, as famílias trocam informações, planejam atividades e fazem uma espécie de prestação de contas de tudo o que acontece na comunidade. A experiência é rica e democrática, onde todos têm vez e voz nos encontros.

A renda média de cada família chega a R$ 600. O dinheiro vem da comercialização de hortaliças, como alface, quiabo, maxixe, cheiro-verde e tomate, na feira da cidade, e de produtos como carne de boi, feijão, arroz, farinha e galinha, à Companhia Brasileira de Alimentos – Conab. Os produtos são repassados às escolas municipais para a merenda escolar.

Mas a história do Assentamento Vale do Bekaa começou a ser escrita na década de 1980, com tiros, coronhadas e panadas de facão. A página mais triste foi escrita no ano de 1987, quando um operador de máquinas, a mando do então dono da fazenda, esmagou casas e plantações com um trator. Ninguém morreu, mas as marcas da violência ainda estão na memória de todos.

O motivo de tanta violência, segundo Raimundo Cardoso, foi porque a fazenda precisava estar sem moradores para poder receber um grande financiamento e implantar um projeto, que terminou não vingando. O fato encorajou os agricultores e deu a largada para a desapropriação da área, em março de 2001. E a então Fazenda Vale do Bekaa se transformou anos depois no que viria a ser o assentamento piloto no Brasil do Projeto de Biofortificação.
 Jornalista da Embrapa Meio-Norte
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